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Pelos sem-abrigo

A palavra de ordem é crise. Por toda a parte, em todos os quadrantes da vida e da sociedade a crise veio para se instalar. Crise económica, crise financeira, crise moral e crise social. Parece que já nem sabemos viver sem ela. Apareceu, instalou-se e teima em ficar. Precisa-se de salvadores, profetas e peritos, que apontem caminhos e ao mesmo tempo apresentem soluções que nos tirem desta nebulosa que teima em turvar os nossos dias e as nossas esperanças. O dia de amanhã está cada vez mais incerto e os receios de acordar começam a minar as consciências e as vidas. Portugal, como a Europa e o mundo inteiro, começa a apresentar índices de emigração e de suicídio preocupantes. Quem teima em querer enfrentar a crise arrisca-se a ver a sua vida mudar como do dia para a noite. Correm aos centros de apoio aqueles que há poucos meses atrás davam o que tinham para que outros tivessem o mínimo necessário para a sobrevivência. Correm já não para dar mas para receber. Todos os dias, conhecemos histórias e factos de gente que de um dia para o outro se vê envolvida na teia do desespero.

Entretanto, noutra esfera, assiste-se a esbanjamento do pouco que ainda resta. Os grandes grupos económicos continuam a anunciar, quando não podem mais esconder, as somas astronómicas de avultadas quantias que enchem os bolsos de alguns. Estamos à beira do “salve-se quem puder”, como último acto de desespero de quem adivinha a barca a afundar-se.

Os governos dizem estar preocupados. Ora levantam a voz para tentar animar os desanimados, ora escondem factos e realidades que se conhecidos mais enegrecem o quadro geral. É triste ver que nos momentos cruciais, quando são anunciadas novas falências ou novos despedimentos, venham à luz do dia vozes de quem diz que há muito que se sabia e esperava tal situação. Mas na maioria dos casos ainda há poucos meses se dizia que tudo estava bem, tudo estava sob controlo e não havia nada a temer. De um dia para o outro os jornais anunciam quebras e ruínas que se esconderam mas que afinal já se adivinhavam. Só o povo, a gente simples do povo, do contribuinte que cumpre com os seus deveres de forma assídua, de nada sabia, nem sequer adivinhava. E de um dia para o outro, caiem os que ainda ontem estavam de pé. Cresce a força e a hegemonia do Estado providente e desmoronam-se os sonhos e os projectos das gentes.

O Mensageiro saiu à rua para conhecer esta realidade tão ambígua e desconcertante. E o que vimos e ouvimos deixou-nos desconcertados. A crise está mesmo aí ao nosso lado. Mais, ela está onde menos se pensava e onde menos parecia previsível. Pelo menos para alguns. Para não ferir susceptibilidades nem escandalizar ninguém, não mostramos rostos nem trouxemos a público vidas e nomes. Mas pudemos dizer que a situação é grave. Relatamos, o caso concreto do Centro de Acolhimento de Leiria. Mais que gente que procura uma refeição ou um suporte momentâneo, o Centro de Acolhimento atende histórias e vidas que se desfazem. Se dá algum apoio, é também certo que nestes dias se enche de lágrimas e consternação. São pessoas que tapam o rosto e escondem o seu sofrimento, num semblante cada vez mais angustiante e envergonhado. Pessoas que preferem nem falar do dia de ontem, porque quando o recordam fazem-no como se de um conto de fadas se tratasse. Estão aqui bem perto de nós e a crise atinge-os a eles bem mais do que a alguns senhores que ainda nem se deram conta de que os tempos estão difíceis. Em tempo de crise, uma singela homenagem aos sem abrigo e uma palavra de ânimo para quem anda perdido.

[Edição de 6 de Novembro]

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