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Para lá do imediato

Os tempos estão marcados pela urgência de viver e pela visão prática de cada acontecimento e de cada hora que passa. Somos máquinas ambulantes que pouco mais sabem fazer que satisfazer o imediato. A modernidade faz-se pela aposta na economia e nos números; a falência de um banco nos EUA provoca aquilo a que os economistas chamaram um verdadeiro tsunami económico. Vivemos hoje tão dependentes do dinheiro e da economia que o mínimo abalo provocado na mais recôndita região do planeta, significa um vendaval pelo mundo inteiro. E sem nos apercebermos, tornamo-nos nós próprios autênticas marionetas movidas ao ritmo do tilintar das moedas, como aquelas estátuas-humanas que se mexem quando ouvem uma moeda cair dentro da caixinha. Aquele som torna-se motor de movimento e aí temos o homem moderno a mover-se. Cada vez mais a única coisa que nos faz mexer é aquele som mágico: só por ele os filhos se calam e progridem nos estudos; só por ele os adultos mantêm amizades e colaboram em projectos comunitários; só por ele os menos jovens saem de casa e deixam de se resignar perante o fatalismo da vida.

Pouco a pouco vamos esquecendo que afinal somos mais, muito mais, do que aquilo que os espelhos reflectem; somos detentores de um potencial maior do que as câmaras da televisão mostram e somos muito mais do que nos julgamos ou nos julgam. Há no ser humano um manancial de energia e espiritualidade que, por não ser visível nem mensurável, passa despercebido. Mais ainda quando a nossa atenção está voltada para coisas banais e materiais; quando os dias e a felicidade se medem pela capacidade de possuir maiores lucros e rendimentos. Acabamos por cruzar-nos todos os dias com o homem-estátua e já não sabemos apreciar a limpidez e serenidade de quem se deixa ficar minutos a fio imóvel sem vento ou vendaval que o distraia. Perdemos pouco a pouco o sentido da contemplação e da admiração. Tudo se reduz à moeda: ao transeunte cabe colocar uma moeda na caixinha e ao homem-estátua cabe mexer e mudar de posição. Nada de contemplação e admiração do belo e do estético.

Assim vão os tempos. Mas há no meio de todo este retalho quem esteja cá e não seja de cá. Há quem faça parte dos maiores projectos e mexa nas maiores somas de números e no entanto viva a vida numa outra dimensão e perspectiva. Aliás, há até quem não se resigne a deixar-se levar pela onda economicista embora dê cartas no mundo da economia. A Igreja sempre alertou para esta necessidade de ser fermento e sal; sempre pugnou pela necessidade de levantar os olhos para lá do imediato e espontâneo. É a dimensão espiritual a ser valorizada para lá do imediatismo do quotidiano. A Igreja está cheia de homens e mulheres que souberam dar esta volta e se tornaram autênticos guias da felicidade.

Neste número quisemos falar desta dimensão espiritual que parece estar esquecida. Pegamos num exemplo que nos veio parar à secretária e que admiramos pela profundidade e pela ousadia. Que ao ter conhecimento os nossos leitores se sintam também mais motivados a deixar o espírito falar mais alto.

[Edição de 18 de Setembro]

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