Pobreza escondida
A ideia é tão antiga quanto o são os grupos humanos. Viver em sociedade é gerar conflitos inevitáveis, mas superáveis. Os conflitos nascem por variadas razões, sendo umas naturais e outras artificiais. A história humana está repleta de momentos e acontecimentos dramáticos cuja origem se deveu a situações de desigualdade não ultrapassada. Uma desigualdade gerada a maioria das vezes pela diferença na posse de bens. Ricos e pobres sempre existiram nas sociedades e sempre polarizaram intrigas e escaramuças, mais ou menos arrojadas.A realidade social dos tempos modernos, sobretudo depois da industrialização, ficou marcada pelo aumento do fosso entre estes dois agentes sociais. Por um lado, os ricos que, sempre descontentes com a sua riqueza, se acham no direito de possuir mais, como se a sua situação fosse mesmo desejada e aprovada pela divindade. Por outro lado, os pobres, que sempre se sentiram mais amados e chamados a subirem na escala social. Assim se geraram e continuam a gerar conflitos por causa do vil dinheiro. No meio de toda esta teia de conflitos, que alguns acham naturais, cresce a ideia de que é possível criar uma sociedade mais humana e mais harmoniosa, em que ricos e pobres deixarão de se gladiar, porque deixarão de existir. Será um tempo de paz e de justiça social sem distinções nem discriminações. Um sonho ou uma utopia a que alguns pensadores deram nome e arquitectaram já as formas e os meios para lá chegar. Nasceram assim muitas ideias e sistemas políticos, ainda hoje presentes nas nossas vidas.
A realidade, porém, é sempre diferente dos ideias. Ela põe-nos em contacto com a verdade nua e crua. E se olharmos para o nosso país, para os números dos últimos estudos e análises, ele não é nada animadora. A pobreza em Portugal está a aumentar e está mesmo a atingir contornos de miséria. É que não há pior pobreza que aquela que não se quer admitir e que se procura a todo o custo esconder ou desmentir. E é isso que actualmente se passa entre nós. Os governantes falam todos os dias de recuperação económica, de índices positivos e valores animadores para a economia. Todos os dias, há uma boa e alegre noticia para fazer circular nos meios de comunicação social. E eles circulam. Como circula também a certeza de que o bolso das famílias e dos indivíduos está cada vez mais vazio, mais enegrecido e desgastado pela contínua movimentação de mãos calejadas que o vão despejando. Mas mesmo sabendo que assim é, nem todos o admitem e escondem por trás de um empréstimo bancário ou outra forma de alucinação, a verdade que corrói, dia a dia, as mentes. E por isso aumentam as formas de fuga à realidade. Muito ao gosto dos portugueses, comparamos a nossa realidade com a dos países vizinhos e temos que admitir: somos os últimos, somos mesmo os que estão na cauda, com índices de pobreza que rondam a miséria e a ruína. Cruzam-se connosco pelas ruas da cidade, todos os dias, centenas de vidas destroçadas por um pais que está na ruína, mas não o quer admitir.
Na passada semana, o governo, subitamente acordou: precisamos estar atentos. Criou-se uma equipa de estudo, reflectiu-se e lançou-se o alerta… o deficit desceu meio ponto percentual em relação ao previsto. É preciso apertar (mais o cinto). Iremos a tempo de evitar uma desgraça? Só o tempo o dirá. Entretanto fiquemos alerta e, de todas as formas e feitios, preparemo-nos para o pior. E que fique uma certeza: não se trata de uma inevitabilidade; trata-se de uma situação que criámos e podemos vencer.
[Edição de 17 de Abril]
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