Tradição e tradições...
Entre as muitas contradições que marcam o andar da vida moderna está uma que nestes dias se revive de forma intensa. O mês de Novembro abre com este deambular pelas ruas da pequenada que de porta em porta pede “o bolinho”, numa tentativa teimosa de manter viva a tradição. Impressiona a forma como os pais se empenham nesta prática: o programa familiar está-lhe submetido, as crianças são encaminhadas desde a tenra idade e mesmo as roupas a usar são cuidadosamente preparadas. O ritual de preparação é vivido de forma tão intensa pelos pais que muitas vezes ultrapassam o interesse e empenho dos próprios filhos.
E depois vem o dia marcado. As ruas enchem-se de crianças que de forma alegre e mais ou menos envergonhada arriscam bater ás portas. Nestas já atempadamente foi preparado o bolinho, as moedas que se trocaram na loja mais próxima, e tudo se conjuga para uma breve troca de presentes e palavras amigáveis. O gesto é rápido, familiar e cheio de recordações para a posteridade.
As tradições continuam desta forma vivas, e são até enriquecidas com apetrechos modernos. Mas a tradição, essa parece estar a ser esquecida. A tradição como mentalidade, como ambiente de vida essa parece perder-se no meio dos apetrechos que fazem as tradições. Muitas das crianças que batem de porta em porta, começam por não saberem porque o fazem; outras nem sequer conhecem as pessoas que as acolhem do outro lado; quase todas preferem que o tal”bolinho” seja substituída por duas ou três moedas, e no fim de tudo ninguém mais se recorda dos sentimentos que no passado davam razão de ser ao gesto: a solidariedade, a partilha, o convívio. Hoje ninguém pede e ninguém dá o bolinho para exprimir essas virtudes, e no entanto elas estiveram na origem de um gesto que depois ficou. Ficou o gesto, que se repete e revive anualmente, mas perderam-se os valores e a razão de ser dos mesmos gestos. Apetece perguntar se vale a pena manter viva as tradições, quando a tradição já morreu?
Na Igreja católica, por seu lado, fala-se de Tradição (com maiúscula) para sublinhar os valores e os sentimentos que impregnam as acções que se realizam. A Igreja quer manter viva a Tradição, mas está perfeitamente aberta à mudança das tradições. Aliás, a fé é exactamente a vivência de uma Tradição que ao longo dos anos vai adquirindo novas tradições. E embora seja assim, a verdade é que a modernidade acusa a Igreja de ser tradicionalista. Quem é aqui, afinal, o tradicionalista?
Loucuras e contradições a que o nosso tempo nos vai habituando, mas que cada vez mais são difíceis de entender. Neste número falamos de tradições, mas queremos reforçar a ideia do valor da Tradição.
[Edição Nº 4679, 1 de Novembro de 2007]
E depois vem o dia marcado. As ruas enchem-se de crianças que de forma alegre e mais ou menos envergonhada arriscam bater ás portas. Nestas já atempadamente foi preparado o bolinho, as moedas que se trocaram na loja mais próxima, e tudo se conjuga para uma breve troca de presentes e palavras amigáveis. O gesto é rápido, familiar e cheio de recordações para a posteridade.
As tradições continuam desta forma vivas, e são até enriquecidas com apetrechos modernos. Mas a tradição, essa parece estar a ser esquecida. A tradição como mentalidade, como ambiente de vida essa parece perder-se no meio dos apetrechos que fazem as tradições. Muitas das crianças que batem de porta em porta, começam por não saberem porque o fazem; outras nem sequer conhecem as pessoas que as acolhem do outro lado; quase todas preferem que o tal”bolinho” seja substituída por duas ou três moedas, e no fim de tudo ninguém mais se recorda dos sentimentos que no passado davam razão de ser ao gesto: a solidariedade, a partilha, o convívio. Hoje ninguém pede e ninguém dá o bolinho para exprimir essas virtudes, e no entanto elas estiveram na origem de um gesto que depois ficou. Ficou o gesto, que se repete e revive anualmente, mas perderam-se os valores e a razão de ser dos mesmos gestos. Apetece perguntar se vale a pena manter viva as tradições, quando a tradição já morreu?
Na Igreja católica, por seu lado, fala-se de Tradição (com maiúscula) para sublinhar os valores e os sentimentos que impregnam as acções que se realizam. A Igreja quer manter viva a Tradição, mas está perfeitamente aberta à mudança das tradições. Aliás, a fé é exactamente a vivência de uma Tradição que ao longo dos anos vai adquirindo novas tradições. E embora seja assim, a verdade é que a modernidade acusa a Igreja de ser tradicionalista. Quem é aqui, afinal, o tradicionalista?
Loucuras e contradições a que o nosso tempo nos vai habituando, mas que cada vez mais são difíceis de entender. Neste número falamos de tradições, mas queremos reforçar a ideia do valor da Tradição.
[Edição Nº 4679, 1 de Novembro de 2007]
Etiquetas: editorial