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Assumir a Páscoa

A Páscoa que os cristãos celebram estende-se por um período de cinquenta dias, até à celebração do Pentecostes. Esta extensão ao longo do tempo pode ajudar à compreensão do seu verdadeiro sentido. De facto, não se trata simplesmente de uma celebração momentânea, mas de um estado vital. Ou seja, os cristãos fazem da Páscoa, mais do que a recordação de um acontecimento histórico – a ressurreição de Jesus Cristo – um modo de estar na vida e no mundo. Estar em Páscoa significa viver permanentemente embebido do espírito de “passagem”: da morte à vida, da tristeza à alegria e do desânimo ao ânimo. Viver a Páscoa durante cinquenta dias é uma excelente ocasião para perceber o mistério que se celebra.

Entretanto, é importante que a reflexão e a vivência assentem numa certeza: Cristo ressuscitou e está eternamente vivo no meio de nós. Por isso, não podemos aceitar de ânimo leve o facto de muitos dos crentes não acreditarem na ressurreição de Jesus. A mentalidade positivista em que vivemos não aceita facilmente esta verdade. Doutrinas recentes, que falam de reencarnação, parecem ter mais aceitação, mesmo entre os crentes. Ora, ao falar de ressurreição, falamos de algo muito diferente e muito mais revolucionário. De facto, a fé na ressurreição traz consigo um desfio e um dinamismo que faltam às teorias da reencarnação. Quando falamos de ressurreição, não estamos a falar de um regresso, sem mais, à vida; estamos a falar de uma transformação completa da vida, do ser humano e da própria natureza. E o cristianismo pode mesmo definir-se como esta transformação completa: “eis que renovo todas as coisas”.

Os cristãos nem sempre percebem de forma adulta esta doutrina, ainda que a celebrem anualmente. E, no entanto, trazem consigo uma doutrina que pode e deve revolucionar o mundo decadente. A ressurreição afirma-se como transformação daquilo que parece velho e decadente; das situações que acarretam consigo estados de espírito derrotistas e enfraquecidos. E só nesta “actualização” ou implicação pessoal da ressurreição de Jesus se pode perceber bem o alcance deste acontecimento. O mundo – o nosso mundo – poderia e deveria ser melhor, se compreendêssemos este fenómeno e se efectivamente a nossa fé fosse fundamentada nele.

Os cinquenta dias que agora são propostos como “grande Páscoa” deveriam levar o crente a encontrar-se com esta realidade e deveriam mesmo ser, desde já, o início de uma transformação que se prolongará pela história. Mas está nas nossas mãos, nas mãos de cada um, trilhar este percurso, para que efectivamente a ressurreição se torne o ponto de viragem da história humana.

Ainda em ambiente de Páscoa, fomos ver e percorrer alguns hábitos e tradições que preenchem o nosso imaginário. Ousamos ver nessas tradições e hábitos a tentativa de uma expressão histórica da fé que verdadeiramente anima os cristãos.

[Edição Nº 4651, 12 de Abril de 2007]

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