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Portugal aos gritos

Como recentemente anunciamos, Fevereiro revelou-se como um mês de surpresas na vida política e social. Dissemos, e os factos vieram comprová-lo, que a saúde seria o sector com maior destaque neste mês. Não fora o volte face verificado na Madeira e talvez todos nós tivéssemos tomado maior consciência do que se está a passar. E o que está para vir é ainda maior e mais surpreendente. Queira Deus que não haja outros “danos colaterais” que sorrateiramente vão desviando a nossa atenção de forma a não nos apercebermos das transformações que estão a marcar a nossa vida. Como bem dissemos no número da semana passada “andam a mudar as regras do jogo”. Olhos bem abertos para que não haja surpresas.

Neste corre-corre, nesta confusão de políticas e mudanças em sectores tão cruciais da coisa pública, pouco espaço fica para a concentração e ponderação. Grita-se muito, fala-se muito e diz-se tão pouco. Neste sentido a Quaresma surge como uma dádiva, “um luxo”, de que poucos se dão conta e sabem aproveitar. A proposta, no entanto, é para todos, crentes e não crentes: façamos Quaresma, entendendo-a aqui como forma de paragem, de ponderação e serenidade. Grite-se menos, fale-se menos ainda e passemos ao verdadeiro diálogo, à partilha de ideias, à escuta atenta e aberta. Portugal precisa de uma forte Quaresma, para que os ânimos serenem, se acalmem e juntos possamos encontrar caminhos de apaziguamento.

Nestes dias convivemos com realidades tão diferentes neste campo. Em Espanha encontramos uma sociedade que aos poucos se vai reencontrando consigo mesma e ao mesmo tempo se vai impondo como espaço de verdadeira humanização. Há 20 anos, Portugal e Espanha iniciavam uma marcha lado a lado, e pouco a pouco fomos ficando para trás enquanto o país irmão se ia afastando de nós para se aproximar mais e mais dos irmãos da Europa. Nestes dias, passados naquele país, pudemos sentir como o ar que se respira é já diferente do nosso. Sobretudo na economia, na cultura e no civismo, há novidades que nos fazem correr para ali. Por outro lado, fomos conhecendo inúmeras famílias que entre nós estão à beira da falência, vimos partir para terras estrangeiras muitos dos nossos amigos; vimos, em suma, repetirem-se os fluxos dos anos 60 quando muitos dos nossos patriotas partiram “em busca de melhores condições de vida”. As estatísticas dizem que a emigração portuguesa está a aumentar; a realidade faz-nos perceber que os números estão certos. Porquê? Porquê este fugir de Portugal em busca de melhores condições de vida? Estaremos nós condenados e viver sempre ensombrados pelos presságios do velho do Restelo?

Entre muitas soluções que se alvitram há uma que nos parece dever ser a primeira: fazer Quaresma na vida particular e social; fazer uma verdadeira metanóia na vida politica, administrativa e empresarial. Fazer Quaresma, no sentido de parar. Importa deixar a mania de olhar para o lado e querer imitar o que os outros fazem e são, mas que não corresponde ao que somos. Importa assumir-se lusitano, detentor de uma cultura própria e de uma alma singular.

Mais uma vez deveríamos ter a coragem de querer aprender com quem sabe, sem sair daqui. A Igreja propõe-nos um caminho de Quaresma, que se define por uma verdadeira viragem, um retomar o caminho original, um voltar atrás sem ser fundamentalista. Temo que se não pararmos um pouco, se não formos mais sérios, justos e verdadeiros, daqui por poucos anos perderemos o que somos, e talvez então seja demasiado tarde para voltar a trás.

[Edição Nº 4645, 1 de Março de 2007]

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